Acordei pela manhã
sem saber ao certo o que fazer. Tenho que acordar mais cedo que ela. Fazer ruídos
para que saiba que já acordado
significa acordar entretanto para
ela.
Acordei sem saber o
que fazer. Como sempre que estou nesta cidade. Esta cidade é negra, cheia de
luz por fora e cheia de todos os níveis de cinza escuro por dentro. Cá dentro.
Cá dentro nada. Lá fora agora chove. Nos dias de sol para mim chove lá fora.
Chove sempre aqui por dentro. É inconsequente. É consequência de um desamor
terrível que não me faz amar nada por aqui. Levo-a à escola. Oiço um programa
que tem como titulo, Hoje começa tudo. Todos os dias o oiço, todos os dias
sinto que nada tenho para fazer. Estas paredes estão carregadas de más coisas.
Até ela chegar, depois dela estar cá dentro, tudo muda. Tudo se colora. Tudo
menos eu. Todos menos eu.
Acordei pela manhã
sem saber o que fazer. Tenho sempre que comer primeiro. Espero até depois de a
levar. Oiço todos os dias um programa de rádio que se chama, Hoje começa tudo.
E eu sem vontade de nada. Raramente oiço boa música. A música espanhola, não só
é demasiado má, como provoca em mim uma raiva tremenda, pior do que ser mau é
pensar que se é bom. E eles pensam-no. É terrível. São terríveis. É um pais
terrível. Amargo. Que só me dá amargo. Portugal não é melhor, Portugal e todos
os países do mundo. No meu mundo não há gosto por nada, nem ninguém, nem nenhum
país. Nem nada.
Acordei pela manhã
sem saber ao certo o que fazer. Depois aos poucos a cabeça que não pára, mesmo
que o corpo esteja torto num sofá que apenas conhece dias cinzentos, a cabeça
que não pára. A cabeça que não pára começa a ter ideias. Uma ideia de uma mesa.
Cortar uma madeira nobre, pintada com varias cores. Um vidro que entra dentro
com uma das faces colorida, a luz que embate na estrutura mudaria de cor. Era
uma mesa para ter ao sol. O sol nesta sala entra e sai sem me dar luz, nunca ma
deu. Tenho a casa mais colorida que nunca para me compensar o nível de
negritude que trago em mim. Ontem perguntou-me se quando não estava com ela era
feliz, disse-lhe que não. Ficou triste, depois menti e disse que sim e ficou
feliz. Mentir para que não sofram por mim.
Depois penso em
mais coisas. Enviar um mail ao organizador de um festival. Talvez gostasse da
música que fazemos. Mas o sofá puxa para trás. Hoje acordei sem saber ao certo
o que fazer. Às 5 à porta da escola. Entre as 10 e as 5 espero. Sentado. O sol
entra e sai sem nunca me fazer feliz.
Depois a cabeça que
não pára. Deveria descarregar um programa de desenho. Sou péssimo a desenhar
mas adoro imaginar coisas. Um papel de parede, uma capa dum disco que nunca
será o meu. Não gosto de nada. Gosto de tudo o que me sai da cabeça, mas quase
tudo se esvai. Não tenho nada para fazer. Decidi escrever. O sol vai e vem sem
nunca me dar luz. Acordei pela manhã sem saber a certo que fazer.
Ouvi umas gravações
minhas de 2013. Tenho uma música linda. Ao longe ela a gritar ou a tentar
falar. Se juntasse todas as coisas bonitas que tenho tinha mais de 4 discos
feitos. Mas alguém tem de os fazer. És tu, és tu, sempre foste tu e agora se
não há tu, não há nada. E é isso que vai acontecer, nada.
Penso que tenho de
trazer o piano para aqui. Vejo a olho e acho que cabe. O sol nunca lhe baterá,
menos mal, não quero luz desta terra a bater nas notas que toco. Esta terra não
traz nada de bom. Esta terra amarga, de gente que julga ser feliz e melhor que
todos. Como a música que fazem. Possivelmente a pior de todas, porque julgam
ser muito bons. É um misto de raiva e pena. Não tenhas pena de quem faz coisas.
Eu hoje não fiz nada. Pensei em tudo e nada fiz. Não tenham pena de mim. Eu já
tenho bastante.