terça-feira, 10 de abril de 2018

nada mais


Acordei pela manhã sem saber ao certo o que fazer. Tenho que acordar mais cedo que ela. Fazer ruídos para que saiba que já acordado significa acordar entretanto para ela.
Acordei sem saber o que fazer. Como sempre que estou nesta cidade. Esta cidade é negra, cheia de luz por fora e cheia de todos os níveis de cinza escuro por dentro. Cá dentro. Cá dentro nada. Lá fora agora chove. Nos dias de sol para mim chove lá fora. Chove sempre aqui por dentro. É inconsequente. É consequência de um desamor terrível que não me faz amar nada por aqui. Levo-a à escola. Oiço um programa que tem como titulo, Hoje começa tudo. Todos os dias o oiço, todos os dias sinto que nada tenho para fazer. Estas paredes estão carregadas de más coisas. Até ela chegar, depois dela estar cá dentro, tudo muda. Tudo se colora. Tudo menos eu. Todos menos eu.
Acordei pela manhã sem saber o que fazer. Tenho sempre que comer primeiro. Espero até depois de a levar. Oiço todos os dias um programa de rádio que se chama, Hoje começa tudo. E eu sem vontade de nada. Raramente oiço boa música. A música espanhola, não só é demasiado má, como provoca em mim uma raiva tremenda, pior do que ser mau é pensar que se é bom. E eles pensam-no. É terrível. São terríveis. É um pais terrível. Amargo. Que só me dá amargo. Portugal não é melhor, Portugal e todos os países do mundo. No meu mundo não há gosto por nada, nem ninguém, nem nenhum país. Nem nada.
Acordei pela manhã sem saber ao certo o que fazer. Depois aos poucos a cabeça que não pára, mesmo que o corpo esteja torto num sofá que apenas conhece dias cinzentos, a cabeça que não pára. A cabeça que não pára começa a ter ideias. Uma ideia de uma mesa. Cortar uma madeira nobre, pintada com varias cores. Um vidro que entra dentro com uma das faces colorida, a luz que embate na estrutura mudaria de cor. Era uma mesa para ter ao sol. O sol nesta sala entra e sai sem me dar luz, nunca ma deu. Tenho a casa mais colorida que nunca para me compensar o nível de negritude que trago em mim. Ontem perguntou-me se quando não estava com ela era feliz, disse-lhe que não. Ficou triste, depois menti e disse que sim e ficou feliz. Mentir para que não sofram por mim.
Depois penso em mais coisas. Enviar um mail ao organizador de um festival. Talvez gostasse da música que fazemos. Mas o sofá puxa para trás. Hoje acordei sem saber ao certo o que fazer. Às 5 à porta da escola. Entre as 10 e as 5 espero. Sentado. O sol entra e sai sem nunca me fazer feliz.
Depois a cabeça que não pára. Deveria descarregar um programa de desenho. Sou péssimo a desenhar mas adoro imaginar coisas. Um papel de parede, uma capa dum disco que nunca será o meu. Não gosto de nada. Gosto de tudo o que me sai da cabeça, mas quase tudo se esvai. Não tenho nada para fazer. Decidi escrever. O sol vai e vem sem nunca me dar luz. Acordei pela manhã sem saber a certo que fazer.
Ouvi umas gravações minhas de 2013. Tenho uma música linda. Ao longe ela a gritar ou a tentar falar. Se juntasse todas as coisas bonitas que tenho tinha mais de 4 discos feitos. Mas alguém tem de os fazer. És tu, és tu, sempre foste tu e agora se não há tu, não há nada. E é isso que vai acontecer, nada.
Penso que tenho de trazer o piano para aqui. Vejo a olho e acho que cabe. O sol nunca lhe baterá, menos mal, não quero luz desta terra a bater nas notas que toco. Esta terra não traz nada de bom. Esta terra amarga, de gente que julga ser feliz e melhor que todos. Como a música que fazem. Possivelmente a pior de todas, porque julgam ser muito bons. É um misto de raiva e pena. Não tenhas pena de quem faz coisas. Eu hoje não fiz nada. Pensei em tudo e nada fiz. Não tenham pena de mim. Eu já tenho bastante.